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Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil

O 13º surgiu após vitória do Brasil na Copa de 1962

Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil
Em 1962, o Brasil conquistou o bicampeonato na Copa do Mundo. O título veio com o placar de 3 a 1, de virada, contra a Tchecoslováquia. O time estava desfalcado do principal craque, Pelé, e Garrincha jogou com febre de 38 graus.
 
Mas, pouca gente conhece a história de outra conquista daquele ano: a do 13º salário, benefício garantido em lei sancionada pelo presidente João Goulart, em 13 de julho de 1962, depois de muitas greves, demissões, abaixo assinados e prisões, num ano de inflação em alta e embates aguerridos entre direita e esquerda na política.
 
Tudo isso aconteceu sob muitos protestos dos empresários e do mercado financeiro da época, conforme registrou o jornal O Globo que, em 26 de abril de 1962, estampou na sua manchete: "Considerado desastroso para o País um 13º mês de salário".
 
O desastre não veio e, hoje, 85,5 milhões de brasileiros são beneficiados com o rendimento adicional, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil

Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil
A gratificação de Natal é uma tradição que tem origem em países de maioria cristã, onde alguns patrões tinham o costume de presentear seus funcionários com cestas de alimentos na época das festas de fim de ano.
 
Essa doação, antes voluntária, se tornou obrigatória na Itália, em 1937, durante o regime fascista de Benito Mussolini, quando o acordo coletivo de trabalho nacional passou a prever um mês adicional de salário para os empregados das fábricas.
 
Em 1946, o benefício seria estendido às demais categorias de trabalhadores italianos, sendo consolidado através de decreto presidencial em 1960.
 
No Brasil, os primeiros registros de greves e demandas pelo abono de Natal são de 1921, na Cia. Paulista de Aniagem e na indústria Mariângela, ambas as empresas do setor têxtil.
 
Sob inspiração da Carta del Lavoro (1927) da Itália fascista, o Brasil aprovaria, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas nela não constava o 13º salário.

Greves entre dezembro de 1945 e março de 1946

Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil
Naquele mesmo ano, no entanto, o abono de Natal foi conquistado pelos trabalhadores da fabricante de pneus Pirelli, o que levaria a uma greve geral no ano seguinte, em Santo André (SP), pelo pagamento do benefício.
 
Na onda de greves que se alastrou, entre dezembro de 1945 e março de 1946, a luta pelo prêmio de final de ano era a principal reivindicação na maioria, envolvendo categorias como ferroviários da Sorocabana, trabalhadores da Light, tecelões, metalúrgicos, gráficos e químicos em São Paulo.
 
Os patrões, a cada fim do ano, davam um panetone e um vinho ruim para os empregados, mas o trabalhador também precisava passar um Natal mais digno com a família. Precisava comprar um sapato melhor para filho, um vestido pra mulher etc..

Benefício pago em laranjas

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A luta dos trabalhadores brasileiros por uma gratificação de Natal não começou conquistando um salário extra logo de cara.

Numa fábrica têxtil, em 1946, a primeira vez que os trabalhadores reivindicaram ao patrão uma gratificação de fim de ano, receberam em troca sacos de laranja.
 
No ano seguinte, pediram cortes de tecido no lugar das laranjas, mas receberam panos considerados de má qualidade e muito quentes para o final de ano. No ano seguinte, os trabalhadores reivindicaram um tecido mais leve e adequado ao verão.
 
O patrão cedeu e foi outra vitória dos trabalhadores. Nesse caso, o empregador cedeu uma vez e no ano seguinte não teve argumentos para não fornecer o benefício novamente e, desta vez, a gratificação teria que ser melhor; e assim por diante.

A luta pelo abono de Natal atravessaria a década de 1950 e chegaria fortalecida nos anos 1960, em meio ao avanço da inflação, empoderamento dos sindicatos e contexto político inflamado pelas disputas ideológicas da Guerra Fria.

O Brasil dos anos 1960

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No início dos anos 1960, uma série de fatores contribuiu para uma crise econômica profunda. Dentre esses, um endividamento externo crescente, herdado das políticas desenvolvimentistas do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961); elevados déficits comerciais e um aumento da inflação que se agravava desde o final dos anos 1950.
 
Em 1960, a inflação acumulada foi de 30,5%; no ano seguinte, de 47,8%. Em 1962, ano da conquista da lei do 13º salário, a alta de preços chegaria a 51,6%.

Mas, a indústria nacional passava por um processo de expansão. Então, de um lado os trabalhadores estavam perdendo poder de compra, lutando pela melhoria do custo de vida e, do outro, observavam o lucro das empresas. Embora, no discurso patronal, os empregadores reclamassem sistematicamente da dificuldade de sobrevivência do empresariado brasileiro, sempre argumentando incapacidade financeira.

Golpe Militar de 1964

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Na conjuntura internacional, o mundo estava bipolarizado entre Estados Unidos e União Soviética, com um anticomunismo crescente que, no Brasil, se desdobraria no golpe militar de 1964. Mas, havia a ascensão do movimento sindical e dos movimentos sociais, tanto no campo como no espaço urbano, com sindicalização crescente e muitas greves que marcaram esse período.
 
É nesse contexto que João Goulart chega à presidência em 1961, sucedendo Jânio Quadros, que renunciou após apenas sete meses. Jango assume, porém, destituído de parte dos poderes presidenciais, sob um regime parlamentarista, com Tancredo Neves como primeiro-ministro.

Pressionado pelo conservadorismo, Jango fortaleceu o sindicalismo e os movimentos sociais como base de apoio para seu projeto reformista, o que se configurou num ambiente propício às conquistas trabalhistas.

Projetos de Abono Natalinos

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Em 1951, um projeto do deputado Muniz Falcão (PSP-AL) sobre a gratificação natalina foi considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição da Câmara, que avaliou que a Constituição Federal não permitiria "a interferência do Estado nos encargos financeiros de particulares".
 
Em 1959, um novo projeto sobre o tema foi apresentado pelo deputado Aarão Seteinbruch (PTB-RJ), já num cenário de acúmulo de lutas por esse direito no chão de fábrica. Assim, já a partir de 1960, a mobilização se concentra em pressionar o Congresso pela aprovação da lei.
 
Em 13 de dezembro de 1961, os trabalhadores vão à greve pelo abono de Natal, com a mobilização puxada pelos sindicatos dos metalúrgicos e dos têxteis de São Paulo, depois de um processo de luta que durou cerca de oito anos, duramente reprimida, com ao menos 1.300 presos, 50 sindicalistas detidos e o Sindicato dos Metalúrgicos cercado e mantido incomunicável pela polícia. O movimento grevista era considerado ilegal.
 
Após a greve, a Fiesp recomendou que seus membros pagassem voluntariamente o abono, em um boletim de dezembro de 1961, mas não admitia a aprovação do projeto de lei, acusando o governo de demagogia por apoiá-lo.
 
O projeto só viria a ser aprovado, em segundo turno, na Câmara, em 24 de abril de 1962, e no Senado, em 27 de junho daquele ano. Mas ainda faltava a sanção presidencial.
E então veio a greve geral de 5 de julho de 1962.

Greves e mais Greves

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Em meio à pressão crescente, o primeiro-ministro Tancredo Neves renuncia e João Goulart indica San Tiago Dantas para substituí-lo. Dantas tinha o apoio da esquerda do Congresso e do movimento sindical, mas sua indicação foi vetada pelos conservadores.

Em resposta ao veto e à indicação para o cargo do conservador Auro de Moura Andrade, o movimento sindical convoca a greve geral de 05 de julho.

A greve foi deflagrada 18 dias após o Brasil conquistar o bicampeonato mundial de futebol  e afetou, sobretudo, empresas estatais ou sob controle do governo, embora o setor privado não tenha passado incólume.

No Rio de Janeiro, a greve teria sérios impactos. Diante da paralisação dos trens, em meio ao avanço da fome e à crise econômica, a Baixada Fluminense explodiu em uma onda de saques, que deixaria 42 mortos, 700 feridos e mais de 2 mil estabelecimentos atingidos.

Onda de saques por fome deu origem à milícia em município do RJ

Origem do abono de Natal e início da luta no Brasil
Enquanto a greve se desenrolava no Rio de Janeiro e em outras unidades da Federação, uma comissão de líderes do comando nacional de greve se encaminhou para Brasília, com o objetivo de manter conversações com João Goulart sobre a crise política nacional e pressionar pelas reivindicações da greve, ocasião em que o presidente também se comprometeu a assinar a lei do 13º salário, que fora aprovada no Senado alguns dias antes (em 27 de junho).
 
Goulart cumpriria o compromisso alguns dias depois, em 13 de julho, quando foi sancionada a Lei 4.090 de 1962.

nicialmente, a lei só dava direito ao 13º aos empregados urbanos do setor privado. Trabalhadores rurais e servidores públicos não eram contemplados, lembra o Dieese.
 
Em 1963, João Goulart estende o direito aos aposentados e, em 1965, já em plena ditadura, a lei sancionada pelo presidente Castello Branco estabelece o pagamento em duas parcelas, sendo a primeira entre fevereiro e novembro, e a segunda até 20 de dezembro de cada ano.
 
A Constituição de 1988 garante o 13º a todos os trabalhadores urbanos e rurais, direito formalmente estendido aos servidores públicos por meio da Emenda Constitucional 19, naquele mesmo ano.

Por que é tão difícil medir efeito da reforma trabalhista, na mira de candidatos? Os aprendizados da luta pelo 13º salário é que as leis trabalhistas não nascem no Congresso.

A luta pelo 13º mostra que essas pautas até podem começar como um favor das empresas aos funcionários] mas essas se constituem como um direito no percurso da experiência. E esse direito, antes de se transformar em lei, vai sendo legitimado na sociedade. Então existe uma construção política do direito.

O movimento sindical naquele contexto atuava nas duas frentes: tanto na parte jurídica, parlamentar, quanto nas greves e nos movimentos de rua. Eles não apostavam no projeto de lei sem deixar de fazer greve. Isso era uma estratégia muito importante e, de fato, foi bem sucedida.

Assim, a conquista do 13º SALÁRIO é uma referência para a luta dos trabalhadores até hoje. Portanto, vale para todos os trabalhadores e trabalhadoras: a luta faz a lei. Foi o que aconteceu em 1962 — a luta fez a lei que vigora até aos dias atuais.
 
Adaptação. Texto original de Thais Carrança:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil